Podemos construir uma nova cultura baseada na força do amor .



Voluntariar numa ecovila solo com uma criança foi uma experiência intensa e totalmente life changing que há pouco tempo eu duvidava ser possível , não porque temia se nos sairíamos bem , mas sim que seríamos aceitas numa comunidade aberta para tal experiência . Há um tempo atrás havíamos tentado o mesmo num outro ecoespaço , e diante da informação de que éramos mãe e filhote , foi-me dito que eu teria oportunidade de me envolver com esse tipo de atividade dali 17 anos .
Ok , a Celeste era mais nova , o que prova não que sou louca , mas que sempre acreditei muito em nós e de que somos capazes de praticamente qualquer coisa a que nos propusermos .

Confesso que essa declaração determinista sobre o que uma mãe é capaz ou não de fazer porque tem um bebê me magoou por um tempo ; porém quero contar a minha versão da história porque é meu desejo profundo que uma cultura de empoderamento e compaixão prevaleça . E é em nome de guerreiras mulheres que levavam os filhos nas ancas enquanto faziam todo o resto , no passado e presente , que eu rendo minha homenagem de força .

-

Minha mãe é meu primeiro e maior referencial de força feminina . Guardei uma fotografia mental da infância que representa esse símbolo pessoal : ela com um pequeno em cada mão e uma mala enorme e pesada no ombro com toda a bagagem da viagem . Eu deveria ter uns 3 anos , pois é a ocasião que me lembro de estarmos em Curitiba . Olhei-a com esses olhos de criança e essa associação "arquetípica" de mulher forte foi tão intensa (a representação "grudou" nessa imagem) que me lembro com detalhes do ambiente , os prédios , a parada de ônibus .. e principalmente a potência da sensação (que guardei nas células) .

Por outro lado , ela também me apontou fortemente crenças que insisti em recusar . Que "é melhor aproveitar enquanto se é jovem porque depois dos filhos ou x idade , a vida acaba" . Crenças que nem ela própria seguiu à risca , mas refletem a frustração e cansaço do fato de que sim , é barra pesadíssima criar 3 filhos sozinha . Eu sempre rejeitei veementemente essa frase assim que ela começava a surgir , porque chocava diretamente com os meus planos de infância de "mudar o mundo" e impunha um limite que eu não queria que existisse .
A esses dois fatores principais eu destino os créditos de até então ter encarado carregar a Céu por todos os lugares , tempos , estados e com quilos extras . Dentro disso , muitas outras coisas contam , ao passo que posso resumir em um único motivo geral : eu sempre quis acreditar que posso ser mãe e viver o que eu escolher ao mesmo tempo .

 Já passei situações muito loucas onde me forcei ao extremo , mas por dentro , e me conscientizo disso no momento exato em que escrevo , bebia de um raro prazer humano : estava reproduzindo o máximo ideal de força que havia construído na infância , levando sozinha nos ombros o peso daquele universo compartilhado .

-

Por mais fortes que sejamos , um dia esse peso pode nos esmagar . Na carne , em forma de hérnia , cabelos brancos , esgotamento , ou emocional e psicologicamente , por stress , arrependimentos ou solidão , o "heroísmo excessivo" pode cobrar seu preço , e aí a fastasmagórica frase de aviso materno se faz ressoar , lembrando de formas leves e alegres nas quais supostamente eu deveria ter investido minha "energia jovem".

Não somos super heroínas (estou falando das mãe solo) . Somos seres humanos que padecem nas sombras de imagens bonitas de mães sorridentes- filhos saudáveis que a sociedade ou nós mesmas tentamos construir , ou que temos a coragem de mostrar . Aceitar o desafio de atender as necessidades de outro ser , imediata , diária e integralmente , acima de tudo , incluso das suas próprias , é vencer enquanto iron woman , mas pode-se perder muito , desde identidade própria até sanidade mental . Para as mães , estou falando simplesmente o óbvio . Mas enquanto continuarmos afundando sozinhas nas dificuldades e expondo apenas a nossa força , estaremos desperdiçando a oportunidade de usar as sombras maternas para criar nossas redes de apoio .

-

Qual é seu ideal , seu arquétipo pessoal de força ? Quando você fecha os olhos e respira esse chamado na memória - que imagem a palavra "força" te evoca ?

Talvez , como mães , é a essa imagem que queremos corresponder quando optamos por dar o nosso melhor ; e com certeza estamos construindo em tempo real o ideal de força para nossos pequenos . E o que é isso exatamente ?

É bem bonito ser forte sozinha , mas também sofrido . E porque algumas de nós optam por viver assim ? De onde nasceu , afinal , essa sina auto-imposta ?
Pode ser que tenha vindo do machismo ancestral (e ainda presente) que transfere para a mãe o "dever automático" da abnegação em nome dos filhos . Talvez tenha surgido do orgulho (clássico do individualismo capitalista) de que "é feio pedir ajuda" . E , óbvio , da necessidade e diversos pontos também positivos que opto por não especular agora . Mas dou o enfoque negativo para perguntar : Será que podemos construir para nossos filhos imagens de força baseadas no amor e na cooperação ?

De que tudo bem não se sobrecarregar até quebrar , de que tudo bem chorar , de que não é sinal de fraqueza expôr as emoções que surgem da nossa vulnerabilidade . De que podemos assumir nossas limitações , podemos pedir ajuda e sermos ajudadas sinceramente , podemos trocar a "vergonha" por gratidão , podemos criar conexões com seres que estão dispostos a apoiar a criação de uma nova cultura baseada na amizade , na confiança , no apoio mútuo .. de que nem tudo vai ser perfeito sempre (e até mesmo nunca!) e está tudo bem !



Certas responsabilidades cabem somente a mim , em cada escolha que eu faço . Mas eu nunca estive sozinha .

Em primeiro lugar , existem diversos relatos de como uma presença divina se instaura no ambiente no momento da coroação ou nascimento de um filho , e isso é muito real . No parto da Celeste eu senti isso em forma de uma presença espiritual "extra" que antes não estava ali , e muita luz ; eu me lembro do ambiente iluminado e brilhante embora estivesse escuro . Pra mim , foi quando o "espírito" dela se apresentou ao mundo - e também seus anjos , seus guias . Pode parecer balela para os céticos , whatever , isso é real em nossas vidas . Tenho certeza plena de que em incontáveis situações nós fomos diretamente amparadas pelo plano espiritual .

Em seguida , nossa família , e em especial , o pai da Céu , sempre foram nosses maiores apoiadores materiais e "motivacionais" . Criar a Celeste longe das famílias é , sem dúvida , uma parte dolorida da responsabilidade a se assumir por escolher estar longe . E afora isso , todos os nossos amigos e até desconhecidos (créditos para os anjinhos da Céu que nos colocam no caminho pessoas incríveis) que já fizeram e fazem por nós coisas que só o fluxo universal de gratidão pode devolver . Anjos-humanos reais !

Mães , não estamos sozinhas e não devemos nos condicionar a um "sofrimento solitário" . Aos apoiadores - gratidão ! Tenham a consciência de que vocês não estão apenas sendo amigos , mas sim sendo úteis a um propósito maior - nesse mundo de "ninguém é obrigado" podemos construir um velho-novo caminho de compaixão , e com a nossa prática ensinar aos pequenos que podemos juntos criar um mundo melhor com a força do amor .
-

Pra mim , é impossível controlar o que vou escrever pois o texto se constrói no ato da escrita . Eu achei que ia contar sobre a nossa experiência na ecovila e acabei falando sobre força .. fica pro próximo post !
Queria reforçar que esse e todos os outros textos refletem apenas a minha experiência e opinião pessoais , que é parcial e não visa generalizar demais opiniões e experiências . Todo ponto de vista é , em si , uma verdade , e são bem vindos para enriquecer o debate .
Agradeço se pudermos constrir juntos !

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Semente do btf - II

A experiência de voluntariado na Arca Verde

Ihas da Barra - Rio de Janeiro (agosto/2017)